Construção física de componentes eletrônicos

Esse post é uma pesquisa que fiz na graduação como membro do Ganesh-ICMC. Muito do que fiz lá dentro acredito que pode ser útil para mais pessoas e eu queria transmitir esse conhecimento por meio de publicações nesse blog.

Ano passado me deparei com o livro Open Circuits, por Eric Schlaepfer e Windell Oskay, que trazia uma coleção de fotografias do interior de componentes eletrônicos. As imagens são simplesmente lindas e a técnica de fotografia também é muito interessante. Sempre gostei dessas imagens, inclusive sigo várias contas no Twitter que publicam esse conteúdo, e é muito bom ter essa coleção em um lugar só.

Mas além da beleza dos componentes, é interessante conhecer a construção física de circuitos elétricos, o seu processo de design e como funciona cada componente. É possível ter uma noção mesmo quantitativa do comportamento de certos componentes sem entrar a fundo nos princípios do eletromagnetismo.

Nessa publicação queria discutir como é a construção de Placas de Circuito Impresso (PCBs) e de Circuitos Integrados (CIs), que servem para conectar diferentes componentes eletrônicos, e aprofundar um pouco em como cada um dos componentes básicos são construídos.

Construção de Placas de Circuito Impresso (PCBs)

Qualquer um que já teve a curiosidade de desmontar um eletrônico deve ter se deparado com uma placa de cor verde em que diversos componentes eletrônicos estão soldados. Essas placas tem a função de conectar os componentes e são chamadas de Placa de Circuito Impresso (Printed Circuit Board em inglês).

PCB de uma televisão, por Raimond Spekking CC-BY-SA

Uma placa de circuito impresso consiste em múltiplas trilhas de cobre separadas por um substrato isolante, como mostra a figura abaixo. O material isolante mais comum é o FR-4 (Flame Retardant) que busca minimizar o risco de faíscas elétricas, mas certas aplicações usam outros materiais, como o dielétrico de Rogers em circuitos de micro-ondas e o plástico polietileno em PCBs flexíveis.

Diferentes camadas de uma PCB

Essas camadas de cobre podem ser conectadas através de vias, que são basicamente tubos de cobre que conectam duas camadas. Essas vias podem perfurar toda a PCB (1. Through hole), o que é necessário para a solda de componentes cujos pinos atravessam a placa. A via também pode partir da superfície até uma camada interna (2. Blind via) ou mesmo conectar duas camadas internas (3. Buried via).

Diferentes tipos de vias, por M adler CC-BY

Observe que as camadas de cobre internas e as buried vias são impossíveis de enxergar a olho nu, porém é ainda possível observá-las através de imagens com raios X.

A partir dessa construção da PCB, o circuito é finalizado com da solda dos componentes. Esses componentes podem ser soldados com pinos que perfuram a PCB, os chamados Plated Through-Hole (PTH), ou depositados sobre a placa, os chamados Surface Mounted Device (SMD). Existe uma preferência por dispositivos SMD porque eles podem ser soldados de forma mecanizada com máquinas pick-and-place, enquanto a solda de componentes PTH deve ser feita a mão.

A figura abaixo mostra uma placa simples de exemplo com ambos os tipos de componentes. O circuito integrado marcado como “U1” e o transistor marcado como “Q1” são SMD e todos os outros componentes são PTH.

PCB de exemplo com componentes montados

Uma vez com os componentes soldados, o circuito está pronto para uso.

Construção de Circuitos Integrados (CI)

Os circuitos integrados tem base em materiais semicondutores e geralmente aparecem em PCBs no interior de um encapsulamento retangular preto. Seu uso na eletrônica é muito importante porque são capazes de produzir circuitos digitais, como microprocessadores. A figura abaixo mostra um circuito digital simples contendo quatro portas lógicas NOR de 2 entradas.


Encapsulamento e chip no seu interior, por Robert Baruch CC-BY-SA

Sua estrutura é semelhante a de uma placa de circuito impresso, componentes eletrônicos como diodos e transistores são construídos no substrato de material semicondutor e conectados por estruturas de metal. Essas estruturas são diferentes camadas metálicas conectadas por vias assim como nas PCBs e estão imersas em material isolante.

Em termos de materiais, o substrato semicondutor geralmente é silício; as camadas metálicas cobre ou alumínio; as vias tungstênio; e o material isolante óxido de silício.

A figura abaixo mostra uma representação em 3D de uma sessão de circuito integrado. A base com padrão arco-íris é o substrato de silício e as estruturas em amarelo são metal. Sobre o substrato há estruturas de vermelho claro que são os gates de transistores e no substrato há regiões vermelhas e azuis que representam silício com dopagem P e N, mas para entender melhor como funciona vamos entrar em mais detalhes de como funciona um transistor na sessão sobre componentes.

Circuito integrado em 3D, por David Carron licença CC0

Processo de Design

O processo de design de PCBs e CIs busca definir quais são os padrões que devem ser transferidos para cada camada controlada pelo processo de manufatura, isso é: a forma de cada camada metálica, a posição das vias, regiões em que o silício deve ser dopado, etc.

Os processos de design para PCBs e CIs são basicamente os mesmos. O projeto começa como um esquemático, que define quais os componentes que estão presentes e como eles se conectam. Em seguida produz-se o layout, em que cada componente é então mapeado para a forma que deve ser realmente desenhada, o footprint do componente, e o designer realiza o posicionamento final dos componentes e faz as ligações.

Esquemático de um circuito de exemplo

Layout desenvolvido a partir do esquemático

Na figura do esquemático, cada componente aparece em cor marrom, enquanto as ligações aparecem como linhas verdes.

Na figura do layout, a placa tem duas camadas de cobre, sendo a camada da frente marcada em vermelho e a de trás em azul. Os círculos amarelos representam diferentes vias e as anotações no silkscreen da PCB em amarelo claro.

A partir do nome anotado para cada componente, como “U1” e “R1”, é possível observar o mapeamento de cada componente do esquemático a uma forma no layout.

Por fim o layout pode ser enviado para a manufatura para que uma placa como a da figura abaixo seja produzida.

Visões superior e inferior da PCB de exemplo

E segue abaixo um exemplo de esquemático e layout para um circuito integrado, sendo o procedimento basicamente o mesmo. Nesse caso ambos foram obtidos por engenharia reversa.

Esquemático do CI, por Robert Baruch CC-BY-SA

Layout do CI, por Robert Baruch CC-BY-SA

Na figura é possível identificar alguns dos componentes. A partir do pad de entrada B4, podemos ver que o sinal passa por um resistor destacado em rosa e em seguida por duas outras estruturas, diodos. Então o sinal segue para um conjunto de transistores até chegar ao pad de saída Y4.

Componentes básicos

RESISTOR:

Um resistor basicamente dissipa energia na forma de calor e pode ser usado para controlar tensões e correntes. Seu comportamento é descrito pela primeira lei de Ohm, que propõe que a corrente que passa por um resistor é proporcional a tensão aplicada sobre ele, sendo o valor da resistência a razão entre tensão e corrente.

Primeira lei de Ohm
Símbolo do resistor

Na equação “R” é a resistência, “u” é a tensão, “i” é a corrente.

Fisicamente, a resistência de um fio com sessão transversal e material uniformes pode ser descrita pela segunda lei de Ohm, que propõe que quanto mais fino e longo um fio é, maior sua resistência.

Segunda lei de Ohm
Diagrama de um resistor

Na equação “R” é a resistência, “ρ” é a resistividade do material, “L” é o comprimento do fio e “A” é a área de sessão transversal

Portanto é possível construir um resistor com um valor desejado tomando-se um material condutor com resistividade conhecida e escolhendo um comprimento e espessura adequado. As figuras abaixo mostram exemplos de resistores comumente utilizados em placas de circuito impresso:

Interior de um resistor de carbono, por Shaddack CC-BY-SA

Resistores PTH, por David Ludovino CC-BY-SA

Resistores SMD, por Mike1024 CC0

CAPACITOR:

Um capacitor armazena energia na forma de campo elétrico e pode ser usado para armazenar energia e estabilizar tensões. Seu comportamento é descrito pela equação de corrente pelo capacitor, que afirma que a corrente é proporcional a variações de tensão no tempo, sendo o valor da capacitância a razão entre a corrente e a intensidade da variação. Essa equação também propõe, que se a tensão é constante (e.g. quando um circuito DC estabiliza), não há corrente através de um capacitor e ele se comporta como circuito aberto.

Equação da corrente num capacitor
Símbolos para capacitores

Na equação “i” é corrente, “C” é a capacitância, “u” é a tensão e “t” é o tempo.

Fisicamente, podemos determinar a capacitância de duas placas condutoras paralelas através da equação abaixo. Ela diz que quanto maior a área entre as placas e menor a distância entre elas, maior é a capacitância. Além disso é importante notar que a capacitância depende apenas da rigidez dielétrica do material isolante e é independente do material condutor.

Capacitância de um capacitor de placas paralelas

Capacitor de placas paralelas, por inductiveload CC0

Na equação “C” é a capacitância, “ε” é a rigidez dielétrica do material isolante, “A” é a área de cada placa, e “d” a distância entre elas.

Com isso é possível construir um capacitor a partir de uma folha fina de material isolante coberta em ambos os lados por uma camada de material condutor. A figura abaixo mostra exemplos de capacitores usados em PCBs.

Diferentes tipos de capacitores, por Eric Schrader CC-BY-SA

INDUTOR:

Um indutor armazena energia na forma de campo magnético e também pode ser usado para armazenar energia e estabilizar correntes. Seu comportamento é descrito pela equação de tensão no indutor, que propõe que a tensão nos terminais do indutor é proporcional a variação da corrente que passa por ele, sendo o valor da indutância a razão entre a tensão e a variação de corrente no tempo. Essa equação também mostra que quando a corrente é constante, a tensão é nula e ele se comporta como curto-circuito.

Equação da tensão num indutor

Símbolo do indutor

Na equação “u” é tensão, “L” é a indutância, “i” é a corrente e “t” é o tempo.

Fisicamente, podemos determinar a indutância de um solenoide (basicamente um fio enrolado) através da equação abaixo. Ela diz que quanto maior a área coberta, a densidade de voltas e o comprimento, maior é a indutância.

Indutância de um solenoide

Diagrama de um solenoide, por geek3 CC-BY-SA

Na equação “L” é a indutância, “μ” é a permeabilidade magnética no interior do solenoide, “n” é o número de voltas por comprimento, “l” é o comprimento do solenoide (não do fio), e “A” é a área de sessão transversal.

Com isso é possível construir um indutor a partir de um fio condutor (com cobertura isolante para evitar curto-circuito) enrolado, preferencialmente, a um núcleo metálico para maximizar a permeabilidade magnética. A figura abaixo mostra exemplos de indutores usados em PCBs.

Diferentes indutores, por Miguel CC-BY-SA

DIODO:

Ao contrário dos componentes anteriores, o diodo e o transistor têm base em material semicondutor e são construído a partir de dopagem, um processo que adiciona leve impureza no semicondutor para modificar suas propriedades elétricas. O funcionamento da física de semicondutores está além do escopo desse artigo, mas existem dois tipos de dopagem: tipo P, em que a impureza gera cargas livres positivas, ou tipo N, em que a impureza gera cargas livres negativas.

Um diodo, simplificadamente, permite a passagem de corrente em um sentido, mas bloqueia o sentido oposto. Sua construção física depende de material semicondutor e consiste na junção de uma região com dopagem P com uma região com dopagem N, a junção P-N. Seu símbolo aponta para a direção que a corrente pode passar.

Junção P-N do diodo e símbolo eletrônico, por Raffamaiden CC-BY-SA

No design de PCBs pode-se utilizar diodos discretos, como os da figura da esquerda, mas no design de CIs, é possível construir diodos diretamente no substrato de silício, como na figura da direita.

Diferentes diodos discretos, por Ulfbastel CC-BY-SA

Diodo no interior de um CI, por Robert Baruch CC-BY-SA (corte e colorização meus)

TRANSISTOR:

Um transistor, simplificadamente, é uma chave controlada. No caso de transistores MOSFET (Metal Oxide Semiconductor Field Efect Transistor), os terminais source e drain podem estar conectados em curto-circuito ou isolados dependendo da tensão aplicada no gate. Sendo que o transistor do tipo NMOS está em curto-circuito quando a tensão no gate tem nível lógico alto e o PMOS está em curto-circuito em nível lógico baixo.

Símbolo do Transistor NMOS
Símbolo do Transistor PMOS

A figura abaixo ilustra a estrutura física de um transistor NMOS. Nela o source e o drain consistem em regiões com dopagem N separadas por uma região a com dopagem P.

Essa alternância de dopagens N, P e N em princípio impede a passagem de corrente, pois é equivalente a dois diodos de costas e bloqueia a corrente em ambas as direções. Porém o terminal gate é capaz de gerar a inversão do substrato P e cria um canal equivalente a uma dopagem N, tal que o source e o drain se conectam diretamente.

Corte lateral de um transistor NMOS, por Olivier Deleage and Peter Scott CC-BY-SA

Assim como no caso dos diodos, transistores podem ser utilizados como componentes discretos em PCBs ou construídos diretamente no substrato de silício nos CIs, conforme mostram as figuras abaixo.

Diferentes transistores discretos, por Mister rf CC-BY-SA

Transistor NMOS em um CI, por Robert Baruch CC-BY-SA (corte e colorização meus)

Transistor PMOS em um CI, por Robert Baruch CC-BY-SA (corte e colorização meus)

Discussão

Com essa publicação espero ter matado a curiosidade de quem busca entender a fundo como é construído um circuito elétrico, explorando o que é cada componente e como eles se conectam. A partir dessa noção espero que a engenharia reversa de hardware se torne um processo menos obscuro.

Existe mais o que explorar além dos componentes mencionados aqui, e em circuitos de alta frequência certos componentes podem aparecer como padrões desenhados na placa e não como um componente discreto. Um divisor de potência, por exemplo, consiste em duas trilhas passando próximas uma da outra. E circuitos de elementos distribuídos ainda permitem a construção de filtros completos apenas a partir de padrões desenhados na placa.

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